Constipação em Crianças com Autismo: Por que Acontece e Como Tratar com Segurança e Clareza
- Carolina Supino
- 25 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de jun.
A constipação intestinal é uma das queixas mais comuns entre famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Embora nem sempre verbalizada, ela pode provocar desconfortos intensos — físicos, emocionais e comportamentais — que afetam o dia a dia da criança e da família.
Entender suas causas e conhecer os caminhos de cuidado seguro faz toda a diferença.

Por que a constipação é comum em crianças com TEA?
Estudos demonstram que a constipação funcional afeta até 50% das crianças com TEA — uma prevalência significativamente maior do que na população geral. Isso ocorre por uma interação complexa entre fatores:
Neurológicos
Comportamentais
Sensoriais
Nutricionais
Emocionais
Farmacológicos
Além disso, o intestino dessas crianças pode apresentar um ritmo de motilidade diferente, agravado por dificuldades na expressão da dor, seletividade alimentar e medo de evacuar.
O que observar: sinais de alerta
Sinais de constipação em crianças com TEA:
Intervalos longos entre evacuações (mais de 2–3 dias)
Escape fecal (soiling)
Fezes grandes, duras ou com dor na evacuação
Retenção voluntária (encolher-se, cruzar as pernas, fugir)
Comportamentos como suar, se esconder ou se agitar
Fissuras anais, sangramento ou recusa alimentar
Esses sinais podem ser confundidos com aspectos do próprio TEA, mas muitas vezes são manifestações de desconforto intestinal. Observar o corpo e os sinais não verbais é fundamental.

Causas multifatoriais: uma teia a ser desvendada
A constipação no TEA exige uma abordagem clínica ampliada. Entre os principais fatores:
Alterações Sensoriais
Hipersensibilidade tátil e interoceptiva tornam a evacuação desconfortável ou imprevisível.
Comportamento e Rigidez
Rotinas fixas e dificuldade em aceitar mudanças tornam o desfralde e o uso do vaso desafiadores.
Dieta Seletiva e Baixa Ingestão de Fibras e Água
Ingestão insuficiente de fibras (<10g/dia) e hidratação inadequada (<70ml/kg/dia).
Uso de Medicações
Antipsicóticos e estabilizadores de humor podem reduzir o tônus intestinal.
Hipotonia Muscular
Presente em até 50% das crianças com TEA, afeta a coordenação entre o assoalho pélvico e o reto.
Essa teia de fatores mostra que a constipação não é um evento isolado — mas um reflexo da complexidade do corpo e do cotidiano de cada criança.
Como tratar com segurança: plano em 3 fases
Com base nas diretrizes NASPGHAN, ESPGHAN e Rome IV, o cuidado eficaz é estruturado em três etapas:
🌱 Fase 1 – Desimpactação
Uso de laxantes orais sob orientação médica, com possibilidade de associação a líquidos para facilitar a aceitação
Avaliação por exame de imagem (como RX de abdome) para monitoramento da resposta
Em casos refratários, enemas podem ser utilizados com indicação e acompanhamento clínico especializado
🌿 Fase 2 – Manutenção
Manutenção com medicação reguladora do trânsito intestinal (sempre com prescrição individualizada)
Treino evacuatório com horários fixos e postura adequada
Reforço positivo (sem punições ou comparações)
Inclusão gradual de fibras e aumento da ingestão hídrica
Apoio terapêutico interdisciplinar (Terapia Ocupacional, psicologia, ambiente escolar)
🌸 Fase 3 – Desmame e Autonomia
Redução gradual da medicação conforme evolução clínica
Acompanhamento médico regular para avaliação da resposta e ajustes
Estímulo à escuta corporal, desenvolvimento da autonomia e reforço de hábitos saudáveis
✨ Cada etapa é pensada para respeitar o ritmo da criança, evitando recaídas e promovendo um cuidado contínuo, gentil e eficaz.

Cuidar do intestino é cuidar do desenvolvimento
Estudos indicam que, ao tratar a constipação de forma eficaz, há melhora no sono, apetite, humor e comportamentos repetitivos.Cuidar do intestino é cuidar do bem-estar integral da criança — com ciência, acolhimento e paciência.
Toda transformação começa por um olhar atento.
Ao reconhecer os sinais e buscar caminhos seguros, você já iniciou um novo capítulo de cuidado.
✨ Estamos por aqui para caminhar ao seu lado.

Por Dra. Carolina Supino | Cirurgiã Pediátrica
Atendimentos presenciais e por telemedicina

Referências Científicas:
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