Soiling: quando a criança suja a cueca sem perceber — e o que isso revela sobre o intestino
- Carolina Supino
- 23 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de jun.
1. O que é o soiling e por que precisamos falar sobre isso

Alguns pais se assustam ao perceber que a criança está sujando a cueca com fezes, mesmo após ter ido ao banheiro ou mesmo sem demonstrar desconforto. Muitas vezes, a primeira reação é pensar em falta de higiene, preguiça ou até desinteresse. Mas o que muitos não sabem é que esse escape fecal involuntário tem nome: soiling. E, ao contrário do que parece, ele é um sintoma clínico importante.
Soiling é mais comum do que se imagina, e está geralmente ligado a um padrão de constipação funcional prolongada. Por isso, merece ser compreendido com profundidade, sem culpa e sem julgamentos.
2. O que exatamente é o soiling?
O soiling é caracterizado pelo escape involuntário de fezes na roupa íntima. Geralmente, são fezes pastosas, pequenas, de odor forte e que se repetem várias vezes ao dia. O ponto mais importante: a criança não tem controle sobre isso. Não é uma escolha ou uma "manha".
Esse escape costuma ocorrer porque o reto está muito cheio. As fezes mais antigas ficam impactadas e endurecidas. Aos poucos, fezes mais amolecidas vão passando ao redor desse bloqueio, saindo sem que a criança perceba ou consiga controlar.
3. Quais são as causas mais comuns?
Constipação funcional crônica
Retenção voluntária prolongada
Dor ou medo de evacuar
Desfralde precipitado ou traumático
Dificuldades sensoriais, comuns em crianças com TEA
Dilatação retal com perda de sensibilidade
Muitas vezes, o soiling é o sinal de que o intestino da criança está preso há muito tempo, mesmo que ela evacue esporadicamente.
4. Como identificar o soiling em casa?
Cuecas sujas com fezes pastosas, várias vezes ao dia
Odor forte, mesmo após troca
Ausência de desconforto ou incômodo pela sujeira
Abdome estufado, comportamento de retenção, irritabilidade
A criança pode ter histórico de dor para evacuar ou trauma com o vaso
5. Por que o soiling não melhora sozinho

Ao longo do tempo, o intestino pode se dilatar e perder sensibilidade. Isso significa que a criança deixa de perceber o momento certo de evacuar. Além disso, a retenção constante gera um ciclo vicioso, que vai enfraquecendo os sinais naturais do corpo.
Por isso, tratar o soiling é urgente — e vai muito além de ensinar a usar o banheiro.
6. Qual é o tratamento?
O tratamento é feito em fases, com base nas diretrizes clínicas mais atuais (NASPGHAN, ESPGHAN, Rome IV):
Fase 1: desimpactação do intestino com medicação segura e eficaz
Fase 2: manutenção e reeducação evacuatória, com ajustes de dieta, rotina e comportamento
Fase 3: desmame gradual, com foco na estabilidade e na autonomia do corpo
Em alguns casos, pode ser indicado o uso de exames como o raio-X de abdome para avaliar o acúmulo fecal e acompanhar a resposta ao tratamento.
7. O que os pais podem fazer enquanto aguardam a avaliação clínica?
Evitar broncas ou punições pelo escape fecal
Reforçar uma rotina tranquila para o momento de evacuar
Observar e anotar padrões (frequência, tipo de fezes, comportamentos)
Conversar com a criança com leveza, explicando que o corpo está aprendendo a funcionar de forma mais segura
8. Conclusão: soiling é sintoma, não defeito

Crianças com soiling não precisam de vergonha — precisam de escuta clínica.
Esse é um sintoma importante, que fala sobre o funcionamento intestinal, sobre medo, memória corporal e, muitas vezes, sobre um corpo que está pedindo ajuda.
Com o tratamento certo, é possível devolver leveza, controle e segurança para a criança. E paz para quem cuida dela também.

Dra. Carolina Supino | Cirurgia Pediátrica
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📚 Referências bibliográficas
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